sábado, 21 de maio de 2016

Crónica: quanto pior, melhor!

por Carlos Bonaparte

Eu ainda sou do tempo em que havia vários blogs de música portuguesa onde se podia fazer donwload das músicas e dos discos. Ou como se diz na gíria, sou do tempo da pirataria lusa.
Na verdade o que muitos blogs proporcionavam era o livre acesso à música. Entretanto, artistas e editoras opuseram-se firmemente a esta livre distribuição, tanto cá como lá fora, a tal ponto que encenaram uma mirabulástica detenção do fundador do Megaupload, que hoje presta um serviço mais ou menos ao que já detinha antes, mas adaptado aos tempos modernos; entretanto o Bandcamp saiu à frente do Megabox, enquanto o fundador do Megaupload estava detido. Eu continuo a achar que o problema não foi o Megaupload, mas o trabalho independente que aí vinha com os artistas.
Entretanto em Portugal fez-se uma caça ao livre acesso à música. Já sem Sol Música Portugal, Made In Portugal, Os Reis da Música Nacional e sem grande parte das rádios locais que havia nos anos 2000, ficamos agora com um brilhante livre acesso à música portuguesa. A estrangeira continua a fazer-se ouvir, a portuguesa, nem por isso. E logo na altura em que começaram a surgir grupos como os UltraLeve, Deolinda, e artistas como Ana Moura. Resta-nos os eternos: Rui Veloso, Fausto, Jorge Palma, Sérgio Godinho, que infelizmente vão morrer um dia, como humanos que são, mas são, ainda hoje, referências principais da música portuguesa. Poderia perguntar porquê, mas seria pouco inteligente da minha parte já que a resposta é simples: propositadamente, asfixiaram-se músicas, artistas, êxitos, a troco de cêntimos para uns, euros para outros. Até a Sociedade Independente de Comunicação (SIC) decidiu terminar com o seu programa da tarde; menos música portuguesa na televisão, embora os programas de domingo à tarde tenham ficado conhecidos nacionalmente por trazerem sempre os mesmos artistas de lusokizomba, e as mesmas artistas sem roupa, ou quase.
Depois aparecem, de quando em quando, alguns blogs de música portuguesa, que logo são fechados a troco desses euros (não para os donos dos respetivos que são intimidados com ameaças legais), e ficamos com a clara sensação de que a música portuguesa é riquíssima, nos géneros, na linguagem, nos nomes que aparecem e desaparecem porque ao fim de 1 ou 2 discos descobrem que não dá; porque muitos, mesmo que apareçam no "Viva à Música" da Antena 1, não conseguem sobreviver porque, o público que ouve este nobre programa de Armando Carvalheda ou mesmo a Antena 1 em geral, é bastante reduzido comparando com a população portuguesa.
Eu sei: temos Marisa Lis que às tantas já nem sabemos bem se ainda é dos Amor Electro ou se canta a solo, temos a Gisela João, de quem ainda vamos sabendo pelas notícias que saiu um disco, e mesmo assim ficamos na dúvida se saiu, ou se vai sair, e a Mariza, que sabemos que é viva porque as notícias não deram conta da sua morte, mas que entretanto decidiu-se que havia de ficar, progressivamente, esquecida. O fado também já não é o que era porque há necessidade de o exportar, porque cá não vende. Nem a rádio Amália conseguiu dignificar o fado a nível nacional, ficou-se pelo êxito em Lisboa, apesar da rádio estar online.
Portugal já nem vai à Eurovisão, Teresa Salgueiro e os Madredeus continuam a gravar discos e a atuar, só não sabemos é quando, nem onde, nem como. A música lijeira portuguesa deixou de ser conhecida, porque antes era chamada de pimba e hoje nem isso.

Resultados práticos: caíram as vendas, caíram as visualizações, e às vezes (já não é nem 3ª nem 4ª), fico a saber de nós, Portugal, por alguns sites estrangeiros que dão conta do lançamento recente de um disco que cá nem ouvi falar.
Infelizmente a luta continua: vamos destruir a música portuguesa até que não haja mais nenhum artista sem ser passível de ser exportado ou de gerar dinheiro, independentemente da qualidade dos intervenientes ou dos temas que elaboram. É triste que num país democrático se exerça uma interessante ditadura, que já não serve, como se alegava há alguns anos, os direitos de autor. Recentemente Rui Macena foi número 1, na lista de álbums mais vendidos em Portugal. Quando não se ouve Rui Macena nas rádios de um modo geral, quando não se ouve falar de Rui Macena na televisão em geral, é porque algo está tragicamente errado na música portuguesa e nas vendas de discos... coisas que a venda digital não resolve, por muito que eu ache que esse número 1 é perfeitamente merecido de um dos artistas que honra a criatividade por um lado, e a música instrumental por outro, tanto nacional como a nível global. Mas quando um artista que a mídia não exibe, que programas de segmento renomados (que nem sequer existem) não exibem, consegue ser número 1, é porque as vendas de um modo geral, caíram para valores, digo eu, há décadas não vistos.

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